sábado, 8 de janeiro de 2011

Os bêbados de Dublin


Com pubs por todo canto, Dublin é um convite ao álcool. E o hábito de encher a cara todo dia criou aqui algumas circunstâncias pitorescas.

Contam que, nos velhos tempos também, os cavalheiros abusavam tanto da Guinness e demais delícias desses barzinhos tão quentinhos, que, na volta pra casa, nunca sabiam em que porta bater, pois eram todas iguais e, não raro, dormiam na rua.

Foi então que alguém, num raro dia de sobriedade, resolveu sugerir que cada beberrão pintasse a porta
de uma cor.

Assim teria nascido a tradição das portinhas coloridas, que dão graça à sobriedade das casinhas praticamente idênticas.

E a bebedeira nos pubs é tão arraigada que as mulheres por aqui já estão conformadas com a concorrência, conforme sugere uma das fotos deste post, clicada num pub em Wicklow. Traduzindo: "Quando eu morrer, quero que me enterrem debaixo de um pub, assim meu marido irá me visitar sete dias por semana".




Espiando a Casa das 7 Mulheres

Nunca vivi em repúblicas, tampouco me lembro de frequentar alguma. Só dividi casa com família, marido e filha. Meu conhecimento sobre residência coletiva foi reunido na literatura, na tv e no cinema. Portanto, na prática, é nulo. Ou era. Já que em 29 de dezembro cheguei de convidada à casa onde Fernanda vive com as amigas, em Dublin. E, desde então, estou a espiar a casa das sete mulheres.

Além de Fê, vivem aqui mais quatro paulistas (Ana Paula, Julianni, Dani e Fernanda 2), a baiana Silvana e a mineira Pati. Dividem quatro dormitórios e dois banheiros de um apto compacto. Sala e cozinha - conjugadas - são de uso comum.

Ana, jornalista, é a mais madura da turma. Está a poucos dias de voltar para o Brasil, encerrando sua segunda temporada na Irlanda. Feliz por ter conseguido dar entrada num apto na planta, na zona norte paulistana, segue com espírito "rodinha nos pés": "Posso até morar em outro Estado, sei lá... Estou um pouco cansada de SP."

Julliani , 19 anos, a mascote do grupo, é outra que está prestes a deixar a república. Empregou-se em cidade próxima a Dublin e cuidará de três crianças na casa onde vai morar. Não se assusta com o que a espera. "Eles são muito fofos. Já me convidaram para brincar e combinamos de assistir alguns filmes!!!", derrete-se, para espanto e diversão das colegas. Antes de se mudar, comemora nos pubs, com os amigos, a conquista do novo trabalho, o primeiro na Irlanda, onde vive há pouco mais de um mês. A mãe já tem passagens compradas para visitá-la em julho. "Ela vem no meu aniversário".

Pati, recém-chegada de passeio a Noruega, espera resposta das entrevistas de trabalho. Anseia ser contratada para poder alugar o quarto individual que ficará vago com a saída da colega Julianni. É, de longe, a fala mais mansa da casa, com sua mineirice explícita e deliciosa.

Só Dani, figura doce e delicada, faz concorrência à calma de Pati. Dani passou o reveillón em Londres, onde depois teve a companhia de Pati. Na volta para Dublin, as duas perderam o avião. Saíram do hostel até com boa antecedência, mas houve pane do metrô e se atrasaram ao precisar recorrer a transporte alternativo. Ficaram 11 horas no aeroporto. E contam tudo com uma tranquilidade invejável...

Silvana, a soteropolitana, é baiana típica. Afetuosa, agregadora, é praticamente a "mãe" de todas. Rapidamente, com secador em punho, alisa o cabelo de uma; depois, faz as unhas de outra. Contam as meninas que Silvana também cozinha muito bem. Ainda não tive a chance de provar. Talvez seja a mais bate-perna da turma. Tem sempre uma festa, uma comemoração, uma visita para fazer. Vida intensa a dessa moça.

Fernanda 2, a santista, é recepcionista num hotel. Não vê a hora de pegar praia e visitar a família no Brasil nos próximos dias, quando estará de férias. Assim como Julianni, fala com a mãe todos os dias. No passeio para Wicklow, contou-me a saga dos primeiros tempos em Dublin e a notícia que recebeu ao chegar: sua anfitriã havia morrido enquanto ela viajava. E a partir daí, viveu uma série de contratempos e dificuldades. O emprego demorou, o dinheiro acabou... Mas agora tudo isso é passado. Fê 2 está em tempos de vacas gordas em Dublin.
 
Tudo aqui é dividido. Cada uma tem uma prateleira na geladeira e um espaço no armário. Mas se socorrem se alguém trabalhou demais e não teve tempo de ir ao supermercado. Compartilham um caos harmônico com muito alto astral e desprendimento. Com a saudade permeando cada dia, seguram a onda mutuamente. Em meio a tantas diferenças, respeitam-se com uma plenitude que emociona.

Hoje, estou num raro dia de solidão nesta casa após chegar do supermercado. As duas Fernandas no trabalho; Silvana em visita à prima, e todas as outras saíram para um café da manhã às quatro da tarde! É que a operação-café-na-rua demora horas para se concretizar. Até que todas sequem os cabelos, escolham suas roupas, cachecóis, luvas, gorros, casacos... É um burburinho imenso... E, agora, silêncio total.

Já sinto falta delas!