sexta-feira, 24 de setembro de 2010

No cinema com um astro peão

No dia em que o filme Lula, o filho do Brasil foi anunciado como candidato a candidato ao Oscar de filme estrangeiro, lembrei-me de uma crônica que escrevi para a coluna Cidad'Elas, que eu assinava em revezamento com a também jornalista e amiga Cláudia Fernandes, aos domingos, no caderno Setecidades do Diário do Grande ABC. O texto foi publicado em 5 de dezembro de 2004:

O tema cinema é recorrente na coluna, mas vou pedir licença mais uma vez ao leitor para voltar ao assunto. Afinal, não é sempre que se assiste a uma película ao lado de um dos astros do filme. Nicolas Cage, Richard Gere, Tom Hanks... Nenhum deles.
O galã da vez é seu Miguel. Pernambucano, metalúrgico do ABC.
Ex-Volks, ex-Polimatic, ex-dono de forró, ex-cobrador de ônibus, seu Miguel ocupava uma das poltronas da sala 9 do Cinemark do Extra Anchieta, em São Bernardo, no sábado passado.
Acompanhado da mulher ("sou a terceira") e de uma filha adulta, o torneiro aposentado acomodava-se como na sala de casa, de camisa escancarada até o umbigo.
De peito praticamente nu, seu Miguel chamava a atenção da dezena de espectadores da sessão daquela tarde. Metalúrgicos? Nenhum mais. Por que não foram? O dia estava quente, ensolarado, digno de pegar peixe na represa, banhar-se no Estoril. Típicos programas de peão do ABC, principalmente para os que não podem pagar o pedágio para a praia ou o ingresso para a sessão.
Mas seu Miguel, contrariando a lógica, foi refrescar a ideia no cinema. E pagou pelas entradas. "Para a apresentação (pré-estreia) me deram só dois convites. Mas saio sempre com a mulher e a filha".
Nem mesmo a dependência da cadeira de rodas impedeiu que ele quebrasse jejum de "uns 12 anos". "Da última vez, vimos um filme pornográfico", revela sem cerimônia.
Demorou até que seu Miguel pudesse usufruir de seus minutos de fama. O depoimento dele aparece quase ao final de "Peões", documentário sobre o movimento sindical da região.
Antes dele, pôde ver diversos colegas em cena. "Eu conheci essa", diz empolgado, em voz alta, ao ver Zelinha, a moça que foi faxineira no sindicato, mas que agora faz o café.
A ansiedade da espera se acelera a cada imagem da luta operária; das assembleias; das passeatas; dos velhos companheiros na porta da fábrica. Emoção segundo a segundo para quem viveu no ABC daqueles dias.
"Óia home", comemora a mulher ao ver o marido na telona. Lá estava seu Miguel. Camisa aberta também à frente da câmera; despido de interpretação e entregue às lembranças. Quem ainda tinha alguma dúvida certificou-se: o astro estava na projeção e também ali ao lado. Agora discreto, aos prantos. Peão de verdade também chora.

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